sábado, 2 de janeiro de 2010

Negros de Alcácer ou mulatos da Ribeira do Sado



Durante séculos a Lezíria e Ribeira do Sado foram um território desabitado, com fama de insalubridade, rodeado de charnecas e gândaras. Apenas a exploração das salinas implicava a deslocação de trabalhadores temporários, funcionando o rio como via de comunicação e escoamento de diversos produtos regionais e locais, de onde avultava o sal, produto que pelo menos desde o século XVI a meados do século XX, constituiu a principal actividade económica das regiões ribeirinhas entre Alcácer e Setúbal. O paludismo, localmente conhecido por febre terçã ou sezões, era um mal endémico, correndo ainda hoje a versão que a pouca população existente em períodos anteriores ao século XX era constituída por africanos - supostamente imunes à doença - aí fixados pela Coroa como forma de assegurar alguma agricultura. Lenda ou não, o certo é que Leite de Vasconcelos na sua monumental Etnologia Portuguesa, refere e descreve os chamados pretos de Alcácer ou mulatos da Ribeira do Sado, correspondentes a habitantes desta região que apresentavam nítidos traços africanos.


ALENTEJANOS DE PELE ESCURA


Ribeira do Sado,
Ó Sado, Sadeta.
Meus olhos não viram
Tanta gente preta.

Quem quiser ver moças
Da cor do carvão
Vá dar um passeio
Até São Romão.
(do cancioneiro popular de Alcácer do Sal, Alentejo, sul de Portugal)

Ribeira do Sado é o nome de uma região que se estende ao longo do vale do Rio Sado, no sul de Portugal, a partir de Alcácer do Sal e para montante, não longe de Grândola, a Vila Morena. São Romão do Sado é uma das aldeias existentes na referida região.
Quem agora for passear pela Ribeira do Sado, já não verá gente verdadeiramente preta diante dos seus olhos, nem encontrará moças da cor do carvão propriamente dito na aldeia de São Romão. A mestiçagem já se consumou por completo. Mas são por demais evidentes os traços fisionómicos observáveis em muitos dos habitantes da região, assim como a cor mais escura da sua pele, que nos remetem imediatamente para a África a Sul do Sahara.
Nem sequer é preciso percorrer a Ribeira do Sado. Se nos limitarmos a dar uma ou duas voltas pelas ruas de Alcácer do Sal, por certo nos cruzaremos com uma ou mais pessoas que apresentam as características fisicas referidas. São os chamados mulatos de Alcácer, por vezes também designados carapinhas do Sado.  O seu aspecto é semelhante ao de muitos cabo-verdeanos, mas eles não têm quaisquer laços com as ilhas crioulas. São filhos de portugueses, netos de portugueses, bisnetos de portugueses e assim sucessivamente, ao longo de muitas gerações. Quando falam, fazem-no com a característica pronúncia local. São alentejanos.

É frequente atribuir-se ao Marquês de Pombal a iniciativa de promover a fixação de populações negras no vale do Rio Sado. Mas não é verdade. Existem registos paroquiais e do Santo Ofício que referem a existência de uma elevada percentagem de negros e de mestiços em épocas muito anteriores a Pombal. Segundo tais registos, já no séc. XVI havia pessoas de cor negra vivendo nas terras de Alcácer.

O vale do Rio Sado, no troço indicado, é um vale alagadiço onde hoje se cultiva arroz. Até há menos de cem anos, havia muitos casos de paludismo nesse troço. A mortalidade causada pelas febres palustres fazia com que as pessoas evitassem fixar-se naquela região. No séc. XVI, muitos portugueses embarcavam nas naus, o que agravava ainda mais o défice demográfico existente. Terá sido esta a razão por que, naquela época, os proprietários das férteis terras banhadas pelo Sado terão resolvido povoá-las com negros, comprados nos mercados de escravos. Os mulatos do Sado dos nossos dias são, portanto, descendentes desses antigos escravos negros.

4 comentários:

Anónimo disse...

Estado das Coisas

2010 - Mais do mesmo

O Centenário da República, que terá lugar no ano que agora nasceu, devia servir para uma ampla reflexão sobre as virtudes da República e do regime democrático em vez de celebrações encomiásticas. Devia discutir-se, com assombro e alma, o regime político vigente, a separação de poderes na organização política do Estado, o sistema de justiça, a transparência da vida democrática e o tipo de sociedade que somos e queremos, numa lógica europeia.

Temo que tal não vai acontecer e 2010 vai mesmo ser mais do mesmo.

Não creio que, por ora, a democracia esteja em causa, até porque a integração europeia foi, é e será uma válvula de segurança. Apesar do que disse Fialho de Almeida – «em países cultos e com uma noção definida de liberdade, república e monarquia constitucionais são tabuletas anunciando uma só mercadoria» – continuo a confiar nos valores republicanos em democracia. Acredito que o problema não está na democracia, mas nos homens que dela se apoderaram com promessas que colonizam o voto e mercantilizam o pensamento dos portugueses. Embora a democracia tenha princípios sólidos, ela é prisioneira desta nova modernidade e deste homem novo sem ética e sem moral.

A reflexão seria desejável porque a democracia está confrontada com uma crise financeira brutal, com um deficit que caminha para os 10%, com um Estado sem margem de manobra, de cofres vazios e com os custos de dívida pública de dois milhões de euros a cada hora que passa.

E, naturalmente, com o descalabro da justiça.

Apesar da crise financeira e económica, culpa da ganância e da ausência de regulação no sector financeiro, a justiça representa o maior fracasso das políticas reformistas da democracia. Nem na ditadura o descrédito e a falta de eficácia foram tão acentuados.

Em vez de estudo, discussão e reflexão, o que temos é sempre o mais fácil: leis e mais leis, pseudo-reformas a todo a vapor.

Anunciou, o novo governo, novas alterações na lei de divórcio, nas custas judiciais, na acção executiva, na prisão preventiva, nos prazos de inquérito, na uniformização de regime de detenção e que vai reavaliar o novo mapa judiciário, devido às dificuldades verificadas. Legislação esta que foi alterada há muito pouco tempo. As alterações constantes, os erros legislativos demoram muito a ser reparados. Esta é a causa principal da morosidade da justiça e da falta de qualidade do regime judicial.

Mas a qualidade da justiça também depende da sua capacidade de se questionar. Como disse Teresa de Calcutá, a nossa missão não é julgar o que é justo ou injusto: é apenas ajudar.

Rui Rangel, Juiz Desembargador

Anónimo disse...

O direito à blasfémia
por FERREIRA FERNANDES
in DN, 05/01/2010

As leis são para proteger os homens, não as ideias. Discutir (dizer alto) as ideias, as justas e as más, só tem feito bem aos homens. Foi pondo em causa a ideia de que os trovões eram ira dos deuses é que chegámos à ciência sobre os anticiclones e nos permitiu ver belas raparigas nos boletins meteorológicos. O mesmo sobre a capacidade de o homem voar: Leonardo da Vinci foi corrido como blasfemo pelos camponeses toscanos, mas graças à sua persistência, e de outros, em construir objectos voadores temos hoje as hospedeiras do ar. Certamente que há outros argumentos para defender as blasfémias, mas gosto dos argumentos que dei, lavam os olhos. Desde o primeiro dia do ano, é proibido, por lei, blasfemar na Irlanda: quem pecar paga 25 mil euros. Eu sei que há outros países em que posso ficar sem uma mão só por ter estendido um dedo àquela ideia que, sendo todo-poderosa (dizem-me), fica nervosíssima por eu lhe apontar o dedo. Mas nesses países é comum defender-se como justos os homens que fazem explodir as hospedeiras do ar. Já a Irlanda, pátria da Ryanair, põe mais aviões a blasfemar no ar do que os antiblasfemos das bombas são capazes de deitar abaixo. Daí o meu protesto por este atraso irlandês e a evocação daquela frase um dia escrita num muro lisboeta: "Se Deus existe, o problema é dele."

PM disse...

Ó Pina ainda tens por aí alguma linha que não tenha chegado ao seu fim ?

“Fim da linha”

Quando nos seus discursos de ano novo os dois principais magistrados da nação apenas nos recomendam que tenhamos bom senso e confiança, deixando no ar um vazio, a juntar a todos os vazios que nos acompanham, sem que apresentem qualquer ideia nova ou projecto, é bem possível que tenhamos chegado ao fim da linha.

Somos chegados ao fim da linha na economia, já toda a gente sabia, mas agora já ninguém tem dúvidas depois de uns poucos terem conseguido enganar quase todos, durante bastante tempo e todos terem ignorado os sinais de alerta, mesmo depois de estes se terem tornado por demais evidentes, é a economia estúpido.

Somos chegados ao fim da linha na política, pelo menos esta que conhecemos com estes políticos que mais não têm feito do que olhar para os seus interesses e para os interesses das corporações a que pertencem, ou fingem pertencer, quantas vezes legislando por impulso e avulso para se porem a cobro da justiça, que já ninguém acredita seja cega.

Somos chegados ao fim da linha na ética, já há muito se sabia não existirem tais valores, mas ainda nos íamos deixando iludir, só que agora tanta corrupção, favorecimento, má gestão que levam a que pelo menos um terço da riqueza produzida seja consumida por estas inexistentes redes de faces ocultas, nos deixam a todos descrentes.

Somos chegados ao fim da linha na saúde e na velhice, direitos constitucionalmente consagrados, mas a que cada vez mais só chega quem tem algumas posses, já ouvi até de um amigo a ideia de que no futuro seremos forçados a alienar património próprio para fazer face ás últimas etapas da vida pois os custos vão tornar-se enormes e incomportáveis para o sistema de segurança social público, que já hoje se diz falido.

Somos chegados ao fim da linha na justiça e estado de direito, pois já ninguém tem dúvidas do fim da separação de poderes, tal não é a promiscuidade em que todos eles, executivo, legislativo e judicial se deixaram envolver e que farão ruir a prazo este estado e onde só mesmo os que estão dentro dos poderes ainda não se deram conta do ridículo a que quase diariamente se expõem, ou então já perderam toda a vergonha.

Pelo cenário quem tem razão são mesmos aqueles dois magistrados, pois só nos resta ter confiança e bom senso, ter confiança de que não vamos ficar desempregados, ter o bom senso de não arranjar problemas com a justiça, ter confiança que a economia vai crescer como nunca, ter o bom senso de optar por sólidos valores éticos, ter confiança que vamos envelhecer com saúde e no final ter o bom senso de escolher outras linhas pois estas chegaram ao seu fim.

Anónimo disse...

Este comentário não é para publicar, é apenas dirigido ao autor deste texto, eu represento a ADPA - Associação de defesa do patrimonio de alcacer do sal. E é nessa qualidade que aqui solicito que se possivel me contacte com o intuito de poder incluir este ou outros artigos que deseje escrever sobre este tema, no nosso boletim Neptuno, as fotografias estão excelentes. o meu contacto é inaciaarsenio@gmail.com e estou todos os dias na biblioteca municipal. Com os melhores cumprimentos, esperando anciosamente o seu contacto

Inácia Arsénio