quarta-feira, 7 de abril de 2010

Antes de Abril de 1974 ( Catarina Eufémia )

No dia 19 de Maio de 1954, em plena época da ceifa do trigo, Catarina e mais treze outras ceifeiras foram reclamar com o feitor da propriedade onde trabalhavam para obter um aumento de dois escudos pela jorna. Os homens da ceifa foram, em princípio, contrários à constituição do grupo das peticionárias, mas acabaram por não hostilizar a acção destas. As catorze mulheres foram suficientes para atemorizar o feitor que foi a Beja chamar o proprietário e a guarda.


Na imprensa da época:


Anteontem, numa questão entre trabalhadores rurais, ocorrida numa propriedade agrícola próximo de Baleizão, e para a qual foi pedida a intervenção da G.N.R. de Beja, foi atingida a tiro Catarina Efigénia Sabino, de 28 anos, casada com António do Carmo, cantoneiro em Quintos. Conduzida ao hospital de Beja, chegou ali já cadáver. A morte foi provocada pela pistola-metralhadora do sr. Tenente Carrajola, que comandava a força da G.N.R. No momento em que foi atingida, a infeliz mulher tinha ao colo um filhinho, que ficou ferido, em resultado da queda. A Catarina Efigénia tinha mais dois filhos de tenra idade e estava em vésperas de ser novamente mãe. O funeral realizou-se ontem, saindo do hospital de Beja para o cemitério de Quintos. Centenas de pessoas vieram de Baleizão para acompanharem o préstito, verificando-se impressionantes cenas de dor e de desespero. Segundo nos consta, o oficial causador da tragédia foi mandado apresentar em Évora.
— Diário do Alentejo, 21 de Maio de 1954

Catarina fora escolhida pelas suas colegas para apresentar as suas reivindicações. A uma pergunta do tenente da guarda, Catarina terá respondido que só queriam "trabalho e pão". Como resposta teve uma bofetada que a enviou ao chão. Ao levantar-se, terá dito: "Já agora mate-me." O tenente da guarda disparou três balas que lhe estilhaçaram as vértebras. Catarina não terá morrido instantaneamente, mas poucos minutos depois nos braços do seu próprio patrão (entretanto chegado), que a levantou da poça de sangue onde se encontrava, e terá dito: Oh senhor tenente, então já matou uma mulher, o que é que está a fazer?. O patrão, Francisco Nunes, que é geralmente descrito como uma pessoa acessível, foi caracterizado por Manuel de Melo Garrido em "A morte de Catarina Eufémia —A grande dúvida de um grande drama" como "o jovem lavrador da região que menos discutia os salários a atribuir aos rurais e que, nas épocas de desemprego, os ajudava com larga generosidade". O menino de colo, que Catarina tinha nos braços ficou ferido na queda. Uma outra camponesa teria ficado ferida também.

De acordo com a autópsia, Catarina foi atingida por "três balas, à queima-roupa, pelas costas, actuando da esquerda para a direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar atrás e à esquerda em relação à vítima". Ainda segundo o relatório da autópsia, Catarina Eufémia era "de estatura mediana (1,65 m), de cor branco-marmórea, de cabelos pretos, olhos castanhos, de sistema muscular pouco desenvolvido".

Após a autópsia, temendo a reacção da população, as autoridades resolveram realizar o funeral às escondidas, antecipando-o de uma hora em relação àquela que tinham feito constar. Quando se preparavam para iniciar a sua saída às escondidas, o povo correu para o caixão com gritos de protesto, e as forças policiais reprimiram violentamente a populaça, espancando não só os familiares da falecida, outros rurais de Baleizão, como gente simples de Beja que pretendia associar-se ao funeral. O caixão acabou por ser levado à pressa, sob escolta da polícia, não para o cemitério de Baleizão, mas para Quintos (a terra do seu marido cantoneiro António Joaquim do Carmo, o Carmona, como lhe chamavam) a cerca de dez quilómetros de Baleizão. Vinte anos depois, em 1974, os seus restos mortais foram finalmente transladados para Baleizão.

2 comentários:

PM disse...

Ó Pina um acaso é sempre um acaso e uma conjugação de acasos é uma acasião.

“Obra do acaso”

Era homem forte e pujante como quase todos os mestre da faina, possuía com outros dois sócios o galeão “Fortuna de Albufeira”, quis o destino que nessa noite o mar fosse assolado por uma tempestade medonha e o Fortuna fosse engolido, dos três só ele se salvou, mas o sustento da família ficou comprometido e assim teve rumar com a mulher e filha a paragens mineiras da hulha, no sítio de Jungens, a tristeza era muita, principalmente para a filha que habituada a uma vida de orla marítima e cosmopolita para a época se via agora remetida a um sítio perdido no interior do Alentejo, mas depressa descobriu vocação e forma de ultrapassar a solidão pois sendo possuidora de instrução acima da média na altura, cedo se dedicou ao ensino por aquelas paragens.

Não muito longe ao Condado de Palma, chegava mais um ratinho, vindo de Viseu, aos treze anos para trabalhar naquelas paragens, a sua família de onze filhos outro destino não pôde dar-lhe e ele bem sabia o significado de treze pessoas à mesa dar azar, mas bem cedo comprou a sua primeira bicicleta e possuidor de uma vontade férrea, aos fins de semana lá rumava à capital para tirar o seu curso na Academia Maguidal, tendo conseguido formar-se com distinção em 1946, quis o destino que fosse depois exercer a sua profissão de alfaiate na aldeia de S.Cristovão, paredes meias com a mina de Jungens, conheceu a professora algarvia lá do sítio, casaram e tiveram duas filhas e um filho, tendo acabado depois por exercer durante largos anos a sua profissão na vila de Grândola, que a mina e S.Cristovão eram locais menos afreguesados.

Lá mais para o norte numa aldeia perto da fronteira com Espanha não muito distante de Vilar Formoso vivia um casal, ele comerciante e ela professora primária com a prole de cinco filhos e não pensavam em estendê-la, mas acontece que num triste dia lá na aldeia um dos filhos que ia a conduzir um carro, carro puxado por mulas à época, fosse esmagado pelo mesmo quando as ditas se espantaram tendo padecido e quis o destino que um outro filho então fosse concebido, não para substituir o falecido, mas seguramente para amenizar a dor da perda, esse filho mais novo estudou na Guarda, no magistério primário, tornou-se professor da instrução primária e viria a ser colocado a leccionar na vila alentejana de Grândola, onde conheceu uma das filhas do alfaiate, por sinal também estudante no magistério primário de Beja, com a qual casou, desta união nasceram dois filhos, um dos quais eu, obra de tanto acaso, mas que agora não tenho outro remédio senão aturar-me.

Anónimo disse...

"... Tinha chegado o tempo em que era preciso que alquém não recuasse.
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro.
Porque eras a mulher e não sómente a fêmea.
Eras a inocência frontel qu não recua.
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste.
E a busca da Justiça continua."

Catarina Eufémia, Sophia de Mello Breyner